domingo, 9 de fevereiro de 2020

Emoções - Introdução


Em defesa das emoções

   As emoções, sejamos sinceros, têm tido uma má reputação ou, no mínimo, uma imagem que não lhes é muito favorável. Apesar de serem protagonistas num terreno tão apreciado como a arte: a raiva, o amor, a alegria ou a tristeza foram o tema principal e também fonte de inspiração para os melhores romances, melodias ou criações plásticas, mas no nosso desenvolvimento cultural e a nossa quotidianidade, iremos descobrir aspetos que desmentem, ou pelo menos relativizam a admiração que professamos pelas emoções.
   Comecemos pela história evolutiva de cada um de nós. Durante a infância, as emoções são as protagonistas das nossas vidas, no entanto, tradicionalmente, a educação teve como finalidade controlar, e tantas vezes reprimir, essas emoções, subordinando-as ao juízo ou à razão sobretudo nas emoções negativas como a raiva ou o nojo. Quando a criança as manifesta, é convidado a explicar os seus motivos, a procurar uma origem, a ser sensata. À medida que vai crescendo pedimos-lhe para refletir e raciocinar sobre aquilo que diz ou faz. Assim se transmite de uma forma implícita, um certo predomínio do pensamento sobre as emoções.
   Na história da nossa cultura, encontramos um claro indicador que as emoções estão subordinadas à razão na forma de responder à pergunta <<O que é o homem?>>. A resposta clássica é <<um animal racional>>. Desde os tempos da Grécia Antiga que se considera que as atividades intelectuais ( o pensamento, a razão, o juízo) são aquelas que nos torna propriamente humanos e nos distanciam do mundo dos <<brutos>>. Trata-se de um argumento com uma longa trajetória, segundo António Damásio, tem as suas principais bases em Platão e no filósofo francês René Descartes. No caso do primeiro, recordamos o diálogo Fredo, no qual a alma humana é descrita como um carro alado puxado por dóis corcéis e conduzido por uma auriga. Os dois cavalos representam a alma concupiscível (desejo) e irascível (vontade), enquanto a auriga encarna a alma racional. Baseando-nos nesta conceção tripartida da alma, que a partir de Platão se tornaria dominante, o ser humano só se pode elevar e atingir a retidão e o conhecimento se a parte racional conseguir dominar as outras duas. O não menos famoso cogito ergo sum (<<penso, logo existo>>) de Descartes apensas serviu para reforçar essa tendência que vinha de longe.
   Como resultado, na nossa tradição cultural, tratamos com frequência as emoções não só como algo alheio à razão, mas como algo que interfere no seu bom funcionamento. Até mesmo as emoções positivas, como a alegria ou o amor, nos parecem dignas de elogio desde que não as misturemos com <<coisas sérias>>, tais como aprender, pensar ou tomar decisões importantes.

Em defesa das emoções

   O que foi dito até agora não pretende ser um arrazoado contra a razão nem contra a nossa tradição cultural. Ninguém discute que o pensamento é uma faculdade intimamente unida à condição do ser humano, e foi esta conceção, herdada dos gregos, que permitiu com o passar dos séculos, a aparecimento da ciência. No entanto foi a própria ciência, que em tempos recentes, começou a colocar em quarentena tudo o que até há pouco tempo se sabia sobre as emoções. Graças aos novos avanços do conhecimento do cérebro e aos resultados experimentais acumulados ao longo dos últimos anos, sabemos hoje que as emoções, além de nos tornarem propriamente humanos, tal como a razão, desempenham um papel essencial no correto funcionamento das nossas <<capacidades de nível superior>>.A curiosidade e o espanto – que intervêm na motivação – são ingredientes indispensáveis da aprendizagem, já que memorizamos mais e melhor as informações que estão vinculadas às emoções; o medo, por sua vez, permite-nos tomar decisões adequadas em situações de risco ao prever possíveis ameaças e perigos. Como já intuía Charles Darwin se as emoções existem é porque cumprem uma função positiva na nossa sobrevivência como espécie.
   Uma última observação etimológica, a palavra emoção deriva do latim moveo (<<mover>>) com o acréscimo do prefixo e – (<<de>>), de modo que a própria origem do termo revela que em qualquer emoção se encerra o impulso de agir, de mover-se. Não poderíamos escolher, raciocinar ou aprender sem emoções.

Resumo do livro - O Cérebro e as emoções - Colecção Neurociência & Psicologia;

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